Blog

06/04/2012

Indígenas escrevem carta de sugestões para o projeto do IECAM

Após o encontro de aldeias da região centro/sul, realizado pelo Instituto de Estudos Culturais e Ambientais na aldeia Estiva (Viamão/RS), os Guarani elaboraram uma carta destacando a importância da continuidade das ações do projeto Ar, Água e Terra: Vida e Cultura Guarani. Segundo o documento, os resultados que vem sendo atingidos vão muito além das metas estabelecidas.A elaboração do documento também contou com a presença dos caciques das quatro aldeias do norte do RS que participam do projeto patrocinado pelo Programa Petrobras Ambiental e que já haviam se reunido no final do mês de março.

Confira abaixo a íntegra da Carta Final dos encontros:

Carta dos Final dos Encontros das Aldeias Guarani

Nós, pajés, caciques, lideranças, mulheres e jovens guarani, reunidos, com o apoio do IECAM (Instituto de Estudos Culturais e Ambientais), nas Tekoa (aldeias) Pindoty e Nhundy, nos municípios de Riozinho e Viamão (Estiva)-RS, nos dias 23, 24, 25, 29, 30 e 31 de março de 2012, para trocar experiências e saberes e avaliar as atividades do projeto Ar, Água e Terra: Vida e Cultura Guarani, compartilhamos através dessa carta que:

Participaram dos encontros cerca de cinquenta guarani de oito aldeias do Rio Grande do Sul. As reuniões ocorreram com muita harmonia, com a participação ativa de todos os presentes e com atenção especial às palavras dos caciques e às belas e emocionantes falas dos mais velhos. Os guarani compartilharam experiências, trocaram conhecimentos, saberes, avaliaram e planejaram as atividades para serem realizadas especialmente no ano de 2012 no projeto Ar, Água e Terra: Vida e Cultura Guarani. Consideramos que os encontros foram muito importantes e positivos, fortalecendo nossa organização e a união entre as aldeias do norte, centro e sul do estado. Novas ideias e ações surgiram para o trabalho e para fortalecer as parcerias entre as aldeias e o IECAM. Os guarani compreendem a importância dos objetivos e das ações do projeto, especialmente as atividades que buscam a revitalização das tradições, da natureza e a sustentabilidade. “Este novo começo é na verdade uma retomada de questões que estavam um pouco esquecidas, como a troca de sementes, de alimentos e de remédios, o plantio de árvores e o cultivo de roças nas aldeias. A mata nativa para nós é como uma cidade e o mercado para os brancos, a mata tem tudo que precisamos e o projeto é para nós esse novo começo” (Cacique José, Aldeia Nhuu Porã).
Consideramos fundamental dar continuidade ao projeto e entre outras metas e ações, relatamos aquelas que gostaríamos de realizar nesse e nos próximos anos:

Desenvolver todas as atividades nas aldeias compartilhando as aprendizagens com as crianças e com os jovens; Promover encontros entre as aldeias com mais frequência; Plantar milhares de mudas de espécies da mata (nativas), especialmente frutíferas, plantas de uso na medicina tradicional, para alimentar os animais (fauna local) e para as construções, como o jerivá (pindó); Estimular a troca de sementes de espécies alimentares e também de alimentos como o pinhão, uma vez que certas espécies só produzem bem em algumas aldeias; Organizar nas aldeias “grupos de trabalho” para atividades específicas como: roçado, medicina tradicional, coleta de sementes, plantio de árvores e construção das casas e das opy (casas de reza): “Essa era uma prática comum nas aldeias, onde cada grupo tinha sua tarefa, garantindo a sobrevivência do povo nas aldeias” (relatos de vários caciques); Participar de palestras, oficinas e seminários nas aldeias e também fora das aldeias, para trocar conhecimentos e aprender coisas novas; Permanecer aumentando a cada ano as áreas dos roçados (alimentos) sempre com a participação de jovens e crianças nas aldeias; Promover novas oficinas de artesanato e de preparo de pratos da culinária tradicional; Dar continuidade à construção de soluções e às ações de “educação” ambiental, como a compostagem, e a separação e coleta do lixo nas aldeias; Organizar grupos de quatro ou cinco guarani em “mutirões” de plantio e/ou construções nas aldeias, com a participação especialmente dos jovens e monitores do projeto; Construir três novos viveiros nas aldeias e ampliar a capacidade de transporte de mudas, sementes e materiais; Aumentar o número de monitores indígenas (agentes locais do projeto); Ampliar as visitas dos mais velhos e sábios nas aldeias (José, cacique da aldeia Nhuu Porã foi eleito o “professor” de tradições guarani para visitar as aldeias e ensinar); Realizar encontros com outras aldeias do Brasil e da Argentina; Realizar o próximo encontro entre as oito aldeias do projeto nas aldeias Itapoty e Pindoty, em Riozinho/RS, no mês de outubro de 2012, aproveitando o encontro para realizar o Nhemongaray, cerimônia de nominação (“batismo”) das crianças;
Na abertura e no encerramento dos encontros contamos com a presença dos parceiros do IECAM (equipe técnica não indígena), que sabem nos ouvir na elaboração,  no desenvolvimento e na avaliação do projeto, construindo junto e trocando conhecimentos e técnicas importantes para nós, na busca da sustentabilidade.

Na abertura do encontro assistimos com alegria o filme (DVD) do projeto e conversamos sobre os objetivos dos encontros e do projeto. No encerramento compartilhamos os resultados do encontro, plantamos diversas mudas de Cedro próximo às Opy (casas de reza) das aldeias, em fase de construção e reconstrução e em Riozinho o coral da aldeia Itapoty encerrou o encontro com uma bela apresentação de cantos guarani.

Por fim, compartilhamos algumas palavras:

“O projeto trouxe alegria para nós e está trazendo as coisas antigas de volta. Esse é um projeto de verdade.” (Cacique José, Aldeia Nhuu Porã); “Precisamos falar muito com a sabedoria do índio guarani” [Karaí (pajé) Adolfo, Aldeia Ka’aguy]; “O projeto vai continuar por muito tempo” (Cirilo, cacique da Aldeia Anhetengua e Sérgio, cacique da Aldeia  Ka’aguy); “Esses encontros são fundamentais, não dá para expressar e estimar todo o valor. É muito importante a participação dos mais velhos, aprendi muito. O plantio é muito importante para nós, guarani. Em alguns anos as árvores estarão dando frutos. A continuidade do projeto é muito importante. A equipe está de parabéns, o conhecimento técnico contribui muito para dar certo. O trabalho se une ao nosso conhecimento, com respeito, sem imposição. Tudo é discutido, bem conversado. Queremos o projeto por mais dois, três, muitos anos. Sempre tem espaço para plantar árvores nas aldeias, assim como sempre tem espaço para mais guarani aqui na aldeia” (cacique Eloir, Aldeia Nhundy).